PARECE ATUAL O QUE É PÉSSIMO, INDICA QUE PASSADOS 24 ANOS NADA MUDOU, LOGO PIOROU E DESGASTOU.                                

 

               OS ENIGMAS DO SANEAMENTO

Os indicadores do saneamento no Brasil, e em Minas Gerais, poderiam, perfeitamente, constituir a base mais forte daquela tênue linha que separa os seres humanos, e provoca nos que estão abaixo dela o chamdo “apartheid social”. Afinal, saneamento é uma ação que lida diretamente com a saúde humana e o meio ambiente. Porém, é uma ação que costuma ser sentida apenas por aqueles que não são atendidos por ela. É um setor que lida com o combustível básico à vida: a ÁGUA e os resíduos líquidos (esgotos domésticos e industriais) e sólidos (o lixo público, doméstico e industrial) produzidos pelos seres humanos.

Nestes últimos dias, muito esteve presenta na mídia. Há uma discussão colocada em evidência: a regulação do setor, as diversas formas de gestão dos serviços. A cobertura da mídia deverá estender-se, necessariamente, àqueles que não têm cobertura por esses serviços, aos mais de 4.000.000 dispersos pelas comunidades rurais, distritos e arraiais que nunca tomaram uma água em suas casas, ou taperas, levadas por uma rede pública de abastecimento; aos milhões, só em Belo Horizonte quase 500.000, que dispões seus esgotos sanitários a céu aberto, ou em fossas absolutamente inadequadas sob o ponto de vista sanitário.

Caso haja esta disposição, a imprensa mais uma vez estará dando uma boa contribuição para colocar o foco no principal. Bastaria percorrer os lamentáveis índices de ocorrência, ou prevalência, de poliverminoses, malária, cólera, febres, dengue e até esquistossomose e doença de chagas. Nós, que estamos do lado de cima da aludida linha, mais das vezes esquecemos ou, mesmo, desconhecemos esta realidade. Por todas estas evidências, o sanemanto foi incluído pela constituição de 1988 entre os serviços básicos locais, com titularidade incequívoca do Município. Porém, já na década de 70, vários municípios no Brasil, entre eles BH, haviam concedidos os seus serviços de água e esgoto às então criadas companhias estaduais de sanemento, em Minas Gerais a COPASA MG.

O TEMPO HISTÓRICO DETERMINA, NA GÊNESE, AS MARCAS PROFUNDAS DE SUAS CRIAÇÕES.

O início da década de 70 foi um dos mais trágicos períodos de nossa história recente. Os chamados, então, “grilhões” da, então, ditadura militar, apertaram num micro espaço entre o desenvolvimentismo (ampliar o mercado para grandes empreiteiras, fabricantes de tudos e equipamentos e empresas de consultoria), o autoritarismo (centralizar nos governos federal e estaduais os recursos administrativos, técnicos e financeiros) e o descontrole social (marginalizar os municípios e os usuários dos serviços de qualquer decisão sobre o setor) todas as estruturas que não ruíram ou as que foram ali gestadas. A história do saneamento traz, como todas as outras, as marcas daqueles “grilhões”.

Por isto, também, Belo Horizonte, e todos os outros municípios concedentes, desconhece, praticamente, os serviços prestados aos seus munícipes, e por eles pagos, a um preço/ tarifa que também o município desconhece como é sua composição básica.

Daí, a evidente discussão que ocupa hoje a nossa mídia ganhar contornos de deslocada, aparentemente descolada da real demanda: os gestores do serviço são, por força inclusive da constituição do país, os municípios. Os prestadores são, hoje, as concessionárias. E caberá aos municípios dizer como será no próximo milênio, uma vez que a maioria das concessões está vencendo no ano 2000.

O que menos ainda foi colocado é que os serviços que ainda não foram realizados, não o foram, porque são deficitários, exigem tecnologias nem sempre convencionais e a probabilidade de retorno financeiro é inexistente. Na nossa BH são as vilas, favelas e conjuntos que constituem o enorme contingente de excluídos dos serviços de água (200.00) e de esgotamento sanitário (460.000), números oficiais da concessionária.

Finalmente, o Conselho Municipal de Meio Ambiente – COMAM, avocou para si a discussão do saneamento por tratar-se, esta, da principal questão colocada pelos grupos organizados da cidade à Promotoria de defesa do meio ambiente como o grande problema ambiental de BH, e não para atrasar as obras do PROSAM, que, aliás, já estão atrasada dese 1995 quando pretendia-se concluído o Programa, até porque as estações de tratamento de esgoto não fazem mais parte do financiamento do Banco Mundial. Ao decidir retirar estas estações do programa, a COPASA MG não consultou os municípios que são o poder concedente dos serviços e pagam os custos de qualquer decisão. Não podemos peder de vista que serviços de saneamento constituem monopólio natural e daí não podemos correr o risco de um monopólio privado por tratar-se de servio essencial (ninguém pode escolher se quer o não tomar água ou eliminar dejetos) e, ainda, o não atendimento de parcela da população implica em malefícios para toda a Sociedade.

IZABEL CRISTINA CHIODI DE FREITAS

 

SECRETÁRIA MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE DE BH/ PRESIDENTE DO COMAM – 1996.

OpinCarta de CampinasCarta de Campinas Entre os dias 19 e 22 de junho de 2017, a Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento – Assemae, realizou o 47º Congresso Nacional de Saneamento da Assemae, sediado em Campinas, São Paulo. Durante os quatro dias do evento, os congressistas participaram de vasta programação sob o tema principal “Saneamento Público Municipal: um caminho para o Brasil”.O 47º Congresso da Assemae reuniu 2.200 pessoas, entre eles, gestores públicos, prefeitos, técnicos, representantes de organizações não governamentais, lideranças do Governo Federal, pesquisadores, empreendedores e profissionais que atuam no setor de saneamento básico e meio ambiente. Caravanas de municípios das cinco regiões do Brasil participaram do evento na cidade de Campinas, o que demonstra o grande interesse dos serviços municipais em debater as políticas públicas do setor e buscar soluções para o bem-estar da população.  Os congressistas acompanharam ativamente os painéis, mesas-redondas e minicursos, além de acessar as tecnologias da feira de saneamento, interagir nas apresentações de trabalhos técnicos e aproveitar as visitas à Estação Produtora de Água de Reúso - EPAR CAPIVARI II, ao Centro de Controle Operacional – CCO da Sanasa, e à Informática de Municípios Associados S/A. A programação também contou com a primeira edição do Prêmio Startup Assemae, que apresentou projetos inovadores para a melhoria da gestão nos serviços municipais de saneamento. Outro fato marcante do 47º Congresso Nacional da Assemae foi o lançamento da publicação “Experiências Municipais Exitosas em Saneamento – 2017”, onde são relatados 31 casos de sucesso de ações positivas voltadas para a saúde e a qualidade de vida da população, por meio do saneamento básico. A obra é uma iniciativa da Assemae produzida com o objetivo de valorizar o trabalho de excelência desenvolvido pelos serviços municipais de saneamento, buscando, também, estimular outros municípios a desenvolverem ações em prol da universalização do acesso aos serviços de saneamento, de acordo com o que foi previsto na Lei nº 11.445/2007, a Lei do Saneamento. A publicação também valoriza a gestão pública de qualidade, uma das bandeiras da Assemae.A partir dos debates realizados no 47º Congresso Nacional, a Assemae apresenta a “Carta de Campinas - Saneamento Público Municipal: um caminho para o Brasil”. A elaboração do documento se baseou naquilo que foi discutido durante o evento, e, mais uma vez, reitera o comprometimento da Assemae com a universalização do saneamento ambiental e a gestão pública dos serviços municipais.A Assemae reafirma seu compromisso histórico de luta contra a privatização do saneamento básico. Por essa razão, a entidade repudia a proposta do Governo Federal e do Governo do Rio de Janeiro de privatizar a Companhia Estadual de Água e Esgoto do Rio de Janeiro (CEDAE) em contrapartida pelo apoio para melhorar a situação fiscal do estado. É importante ressaltar que o saneamento básico não é moeda de troca nem fronteira para ser conquistada pelo mercado. Ao contrário disso, o acesso universal aos sistemas de saneamento básico é um direito do cidadão, e, portanto, deve estar a serviço da sociedade e não subordinado ao lucro. Inegavelmente, na década passada, após a publicação da Lei nº 11.445/2007, houve avanços no setor do saneamento. Populações totalmente desassistidas passaram a ter água potável, esgotamento sanitário e coleta de resíduos sólidos. Porém, tal realidade ainda está muito longe de atender a totalidade da população brasileira, que, por sua vez, continua crescendo. Ou seja, o planejamento e a execução das ações de saneamento nos municípios e/ou regiões metropolitanas, bem como nas Regiões Integradas de Desenvolvimento - RIDES e nas áreas urbanas e rurais, precisam antever as necessidades locais para possibilitar uma vida digna a cada cidadão.O compromisso da Assemae pela universalização do saneamento é fundamental, mas a situação merece uma atenção especial e o empenho dos governos (em todas as esferas), gestores, prestadores de serviços e usuários. É certo que não há como executar ações de saneamento sem a integração de todos os atores envolvidos nas questões. Então, frisa-se aqui a importância da participação popular e do controle social nas decisões que impactam diretamente a saúde e a qualidade de vida dos cidadãos, principalmente aqueles com menos condições financeiras e desassistidos socialmente. Tal assunto foi abordado na mesa-redonda do 47º Congresso da Assemae: 10 anos da Lei 11.445/2007 - Planejamento e controle social.Os municípios têm papel importantíssimo naquilo que se refere ao saneamento. Os gestores devem acompanhar os problemas locais, a partir de estratégias inovadoras para superar os entraves de maneira eficaz e também garantir a viabilidade econômica, técnica e social. Considerando a importância do saneamento no contexto municipal e regional, a Assemae e a Funasa, que tem como missão “promover a saúde pública e a inclusão social por meio de ações de saneamento e saúde ambiental”, se uniram para promover oficinas, em todo o país, com o tema Criação e Estruturação de Serviços Municipais e Intermunicipais de Saneamento Básico. As oficinas estão em andamento, com previsão de término em 2018. É importante ressaltar que a Assemae busca o fortalecimento e o desenvolvimento da capacidade administrativa, técnica e financeira dos serviços municipais de saneamento.O 47º Congresso Nacional da Assemae reafirma que é fundamental estruturar serviços municipais de saneamento de forma eficiente, garantindo o melhor atendimento aos usuários, e, com a participação e colaboração das entidades de classe, serviços municipais de saneamento básico, organizações ambientais, universidades e demais setores sociais.Sobre as taxas e tarifas dos serviços de saneamento básico, é importante lembrar que, apesar de garantida pelo Artigo 29 da Lei nº 11.445/07, a sustentabilidade econômico-financeira dos serviços de saneamento básico não foi, ainda, alcançada em muitos municípios brasileiros. A cobrança de taxa ou tarifa é a modalidade mais importante para o financiamento do setor, e quando bem planejada, tem resultados positivos, sendo fundamental para financiar os serviços de saneamento básico.A gestão do saneamento em regiões metropolitanas foi debatida durante o 47º Congresso Nacional da Assemae, visto que ainda restam dúvidas sobre a responsabilidade da execução das funções públicas nessas áreas. É importante mencionar o Estatuto da Metrópole (Lei nº 13.089/15), que propõe instrumentos para a gestão compartilhada, a começar pela elaboração de Planos de Desenvolvimento Urbano Integrado.O saneamento básico em áreas rurais também precisa ser priorizado nas políticas públicas do setor, pois é visível a necessidade de ações nessas regiões, incluindo todos os municípios brasileiros, remanescentes de quilombos, comunidades indígenas, assentamentos rurais e populações ribeirinhas, conforme estabelecido pelo Plansab. A Assemae busca a implementação de ações de saneamento nas áreas rurais, muitas vezes, abandonadas.   Não podemos esquecer a importância de conciliar o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental. Por isso, a recuperação das nascentes passa a ser uma meta em todo o mundo, incluindo estratégias emergenciais como o controle da erosão do solo e a minimização de contaminação química e biológica. Para garantir a renovação das nascentes, também é necessário o combate ao corte intensivo das florestas nativas, queimadas, pastoreio intensivo, mau planejamento na construção de estradas e loteamentos em locais impróprios.Sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010), o fórum debateu especialmente a proposta de acordo setorial para implantação da logística reversa de embalagens em geral, que prevê uma série de responsabilidades aos municípios e não define claramente as responsabilidades dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes. Para nós, é fundamental estruturar as metas e objetivos do acordo setorial de forma mais operacional, além de viabilizar a correta participação dos municípios nesse processo, assegurando que as empresas de embalagens em geral sejam obrigadas a recolher e encaminhar para destinação adequada o volume de produtos que comercializou, ou alternativamente, ressarcir as despesas dos serviços prestados pelos municípios. Por fim, importa ressaltar o trabalho desempenhado pelos catadores de materiais recicláveis, que reintroduzem os resíduos sólidos no processo produtivo, minimizando a degradação ao meio ambiente.A Assemae tem a certeza de que o empenho, a dedicação e as parcerias firmadas com o objetivo de alavancar o saneamento no País têm alcançado efetividade. Tal conquista é um estímulo para que o trabalho a favor dos municípios se intensifique, dando continuidade ao que já está implementado.Diante de tantos desafios, precisamos da mobilização e participação dos diferentes segmentos sociais e da decisão política das três esferas de governo. Com esta união, certamente, poderemos alcançar a universalização dos serviços públicos de saneamento básico no Brasil, a partir da eficiência e sustentabilidade. Sob esse horizonte, a Assemae permanecerá mobilizada fortemente junto ao poder público e à sociedade civil para defender os interesses municipais, priorizando a saúde e a qualidade de vida dos cidadãos, que também tem papel importante na gestão das políticas públicas deste setor.ião

VALE A PENA LER, REFLETIR, E ACRESCENTAR UMA PERGUNTA: O QUE FAREMOS NÓS PARA QUE "prevaleça a compreensão do saneamento como elemento indispensável para a conquista dos direitos sociais para todos"?

 

A ÉTICA DO CAPITALISMO  E O SANEAMENTO NO BRASIL, Leo Heller

 

O quadro do saneamento segue compondo uma das mais iníquas e excludentes políticas sociais do país. Embora com perspectivas otimistas, como a implementação do Plano Nacional, os sinais emitidos pelo governo são ambíguos. Entre o Estado e o mercado, o capitalismo brasileiro vem oscilando e a população sentirá as consequências no futuro.

 

Léo Heller*

 

Publicado em Le Monde Diplomatique Brasil. Edição 72 - Junho 2013.

 

O Plano Nacional de Saneamento Básico – Plansab , aprovado em 07 de junho de 2013 pelo Conselho Nacional das Cidades e em fase de publicação pela Presidência da República, procura traçar um quadro realista do acesso da população a soluções adequadas de saneamento, incorporando, às tradicionais estatísticas, uma dimensão qualitativa do atendimento. O Plano revela que cerca de 40% da população brasileira, 77 milhões de habitantes, ainda carecem de um abastecimento de água seguro e contínuo e que 60% da população, ou 114 milhões de brasileiros e brasileiras, não dispõem de solução adequada para seu esgotamento sanitário, incluindo aquela parcela da população que tem seus esgotos coletados e lançados sem tratamento no ambiente. Aponta ainda que cerca de 40% da população não são beneficiados com o manejo sanitária e ambientalmente adequado de resíduos sólidos.Descreve também as mazelas decorrentes dos descasos com as ações de drenagem e manejo das águas pluviais, submetendo as cidades brasileiras a periódicos e crescentemente dramáticos eventos de inundações e enchentes.
 

Trata-se, efetivamente, de um quadro inaceitável para um país que tem pretendido se exibir na cena internacional com elevado nível de desenvolvimento e que vem se guiando pela meta de erradicação da pobreza. Provavelmente, dentre o conjunto das políticas sociais do Brasil, esta é a mais excludente e iníqua e localizada na mais baixa escala de desempenho.Não é supérfluo assinalar a não aleatoriedade da distribuição desses déficits: são mais baixas as coberturas no norte e nordeste do país que no sul-sudeste; são muito mais baixas nas zonas rurais que nas urbanas; muito inferiores nas vilas e favelas. Ademais, localizam-se claras correlações entre o déficit e indicadores socioeconômicos, como renda, escolaridade e cor da pele. Estudo com base no Censo 2000 revelou que uma família cujo chefe é do sexo masculino, jovem, cor da pele negra ede baixa escolaridade e que é numerosa e de baixa renda agregada apresenta probabilidade 100 vezes menor de estar conectado a uma rede de esgotos se comparada com outra que apresente características opostas .
 

São abundantementedocumentados e evidenciados os impactos da precariedade das condições de saneamento, dentre outras dimensões, sobre a saúde infantil, sobre a qualidade do ambiente físico e sobre a insalubridade do meio, restringindo a capacidade de emancipação humana .
 

Caberia indagar sobre os por quês deste quadro e sobre as perspectivas para a sua superação.
 

As explicações sobre a persistência do atraso não são lineares. De forma geral, poderiam ser sintetizadas como a crônica ausência de uma política pública estruturada, com o mínimo de continuidade e com claro diagnóstico sobre as limitações das práticas historicamente desenvolvidas, ao mesmo tempo fazendo face às demandas ditadas pela dinâmica demográfica e assegurando a sustentação gerencial e operacional dos investimentos já praticados. Na quadra mais recente da história, o setor de saneamento, após a extinção do BNH em 1986, oscilou entre as instabilidades institucionais anárquicas (governo Sarney), a supervalorização dos agentes privados na determinação dos rumos políticos do setor (governo Collor), um nacionalismo com poucos resultados para a área (governo Itamar Franco), tentativas sistemáticas e mal sucedidas de ampliação da participação privada (os dois mandatos do governo FHC) e ações para a ordenação institucional do setor(primeiro mandato do governo Lula) . É recente, de 2007, a promulgação da Lei 11.445, que estabelece o marco regulatório nacional para o setor, mas ainda não se faz sentir fortemente a reorganização que dele se espera decorrer. Essa política instável, entre outros efeitos, conduziu a um investimento público irregular, a um desprezo pelo planejamento e a uma mal concertada – e frequentemente conflituosa - articulação interfederativa, ingredientes extremamente nocivos para uma área que claramente requer continuidade e suporte ao poder municipal. 
 

Mas nem tudo é desesperança. O governo brasileiro vem conseguindo ampliar os investimentos no setor, sobretudo a partir de 2007, embora persistindo dificuldades para se converterem os recursos alocados em recursos aplicados, devido a ineficiências no fluxo de investimentos e à desestruturação que sofreram as diversas engrenagens do ciclo planejamento-projeto-execução, necessário para a adequada aplicação dos recursos. É também alvissareira a inédita aplicação regular de recursos não-onerosos para aqueles prestadores de serviços com capacidade limitada de contratação de financiamentos com origem no FGTS e no FAT, apesar de que, muitas vezes sejam aportados por intermédio das famigeradas emendas parlamentares, que subvertem qualquer tentativa de planejamento. 
 

Constitui ainda promissora perspectiva a implementação do Plansab, que potencialmente propiciará a recuperação do papel do Estado na efetiva coordenação das ações setoriais, a consolidação do controle social, a estabilidade dos investimentos públicos e a qualificação da gestão, entre outras medidas necessárias para o avanço do atendimento populacional com a qualidade requerida. Prevê investimentos com recursos federais da ordem de 300 bilhões de reais nos próximos 20 anos - correspondendo tão somente a cerca de 0,4% do PIB -, capazes de elevar significativamente o acesso da população a condições adequadas de abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e manejo de águas pluviais.
 

SINAIS AMBÍGUOS PARA O ENCAMINHAMENTO DO PROBLEMA

Entretanto, os atuais sinais emitidos pelo governo brasileiro são relativamente ambíguos. Ao lado da promessa da implementação do plano nacional, democraticamente construído e comprometido com a universalização do acesso, intensificam-se discursos apostando nas parcerias público-privadas como o caminho para essa universalização , revivendo a máxima de Deng-Ziao-Ping: “não importa a cor do gato, contanto que cace o rato”. Ambos os caminhos poderão ser inconciliáveis.

Não se trata de uma apriorística aversão à participação privada no saneamento, pois ela tem tido papel cativo nas atividades meio do setor, como na elaboração de projetos, na construção e no fornecimento de materiais e equipamentos. Aliás, essas funções têm motivado muitas políticas(neo) desenvolvimentistas, visando ao aquecimento da atividade econômica, como se observa atualmente, em tempos de PAC. Porém, ao se apostar na prestação privada dos serviços, atividade fim,para assegurar a sua universalização, o governo brasileiro ignora todo o acúmulo de formulações teóricas e evidências empíricas sobre a privatização de um setor caracterizado como monopólio natural, como o de saneamento . Diversas experiências, em várias partes do mundo, mostraram as limitações do modelo e seus fracassos , que desnudaram suas fragilidades, ao lado da crônica capacidade deficiente de regulação por parte do Estado,em que o regulador, diante do monopólio, se depara com os limites para uma efetiva autonomia perante o prestador e os governos e com dificuldades de exercer seu poder coercitivo e punitivo. Ou seja, os almejados princípios de independência decisória, autonomia, tecnicidade e objetividade das decisões, que deveriam caracterizar o exercício da regulação conforme a Lei 11.445, muitas vezes não passam de figura de retórica.
 

Essa é a natureza das tradicionais formas de concessão à iniciativa privada na prestação dos serviços, às quais se acrescenta a atual onda das PPP, que mantém parte de suas características, mas com maior volume e facilidade de transferência de recursos públicos aos entes privados. Notam-se, no entanto, novos movimentos do setor privado em sua atuação em saneamento. A abertura do capital acionário das companhias estaduais de água e esgotos e a transferência de ativos de empresas públicas para o setor privado são algumas das metamorfoses que o capital vem encontrando para atuar no setor, muitas vezes concebendo modelos para minimizar riscos e maximizar resultados financeiros. Particularmente, a propriedade compartilhada das companhias estaduais, entre as quais se incluem as de São Paulo, Minas Gerais e Paraná, constitui processo que não tem sido avaliado com a profundidade necessária pelo campo tradicionalmente defensor do saneamento público. O eufemismo de denominá-las de “públicas”, com todos os benefícios decorrentes, dentre outros na captação de recursos públicos e na obtenção de apoio federal, obscurece a perversa equação financeira que operam, ao transferir recursos tarifários e orçamentários captados no interior do setor para agentes econômicos externos, configurando uma verdadeira evasão de divisas.
 

O atual momento da política de saneamento básico, além disso, tem equivocadamente supervalorizado a sua dimensão financeira. Já se investiu um volume de recursos públicos nada desprezível desde a década de 1970 e, mesmo grande parte das regiões beneficiadas, ainda carece de sustentabilidade para a prestação adequada dos serviços. Parece imprescindível, no mesmo compasso em que se destinam recursos para o setor, que este seja guarnecido com um conjunto complementar de medidas, incluindo modelos mais eficazes de regulação, arranjos tarifários que associem equilíbrio financeiro e justiça distributiva, controle social sobre os prestadores, modelos de organização adequados fortalecendo os consórcios públicos e ações intersetoriais. O Plansab denomina esse conjunto de necessidades de medidas estruturantes e destina um dos três programas propostos exclusivamente a elas. Entretanto, não tem sido esta a visão do PAC, voltado unicamente para a construção da infraestrutura física.
 

COMO O CAPITALISMO BRASILEIRO SE COMPORTARÁ?

Este quadro coloca em questão a forma ambígua e até esquizofrênica como o capitalismo brasileiro, monopolista e neodesenvolvimentista, vem abordando e pode abordar o futuro do saneamento no país. Observam-se claramente duas polaridades nessa abordagem: saneamento como parte do esforço para ampliar o welfarestate ou saneamento comodificado e mercantilizado; necessidade de um país com uma “imagem civilizada” e baixo nível de desigualdade e de pobreza perante o palco das nações ou saneamento monopolizado por umas poucas empresas construtoras, com forte lobby para determinar a política setorial; saneamento como forma de fortalecimento do cidadão, ainda que visando ampliar o mercado consumidor e expandir o capital, ou saneamento produtor de mais valia, na esteira da inércia neoliberal. Evidentemente, nem todas essas opções são antagônicas, mas correspondem a pólos diferentes e podem acarretar diferentes direções e implicações.

É importante revisitar a trajetória dos países capitalistas centrais. Neles, a universalização do acesso ao saneamento foi conquistada por volta de uma década após a Segunda Guerra Mundial, com a preocupação de proteger a saúde pública, de recuperar o ambiente urbano e de assegurar a segurança da população. Ocorreu predominantemente sob a égide da prestação pública dos serviços, ainda que interesses privados tivessem tido forte influência em alguns países nesse período . Conforme observou Engels, cidades inglesas no século XIX viviam uma crise aguda, baseada na “segunda contradição do capitalismo” - a degradação ambiental provocada pela expansão do capital necessariamente restringindo as condições para sua produção e acumulação - ficando crescentemente inabitáveis e limitando as condições para reprodução do próprio capital, com acesso à água limpa e melhoria da saúde pública . Precisamente este quadro que mobilizou as forças políticas e econômicas locais e nacionais para sanear as cidades na primeira metade do século XX. É mais recente, sobretudo a partir da década de 1980, que se aprofunda o processo de privatização, inserindo a água nos “fluxos de capital” e no desenvolvimento dos modernos mercados capitalistas .
 

Os impasses do capitalismo brasileiro no tocante à política que imprimirá para a área de saneamento estão colocados. Caso esse setor seja encarado primordialmente como parte da engrenagem necessária para a expansão e a reprodução do capital privado, a partir dos cânones do neodesenvolvimentismo, pode-se assistir à não superação das iniquidades e das ameaças ambientais atuais. Caso prevaleça a compreensão do saneamento como elemento indispensável para a conquista dos direitos sociais para todos, inclusive sob o preceito do direito humano à água e ao esgotamento sanitário decretado pela ONU em 2010, pode-se avançar na direção de uma situação merecida por toda a população brasileira, indistintamente de sua situação de classe e de sua condição social, econômica, étnica ou regional.

 

*Professor Titular do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental. Dentre os trabalhos publicados, editou o livro Agua y saneamiento: em La búsqueda de nuevos paradigmas para las Américas (Organización Panamericana de La Salud, 2012) e,juntamente com José Esteban Castro, Política pública e gestão de serviços de saneamento (Editora UFMG, Editora Fiocruz, 2013).

 

Notas:

 

Disponível em http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/PlanSaB/Proposta_Plansab_11-08-01.pdf.

artamento de Engenharia Sanitária e Ambiental. Dentre os trabalhos publicados, editou o livroAgua y saneamiento: enlabúsqueda de nuevos paradigmas para las Américas (OrganizaciónPanamericana de laSalud, 2012) e,juntamente com José Esteban Castro, Política pública e gestão de serviços de saneamento (Editora UFMG, Editora Fiocruz, 2013).

 Disponível em http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNSA/PlanSaB/Proposta_Plansab_11-08-01.pdf.

 Rezende, S.C.; Wajnman, S.; Carvalho, J.A.M.; Heller, L. Integrando oferta e demanda de serviços de saneamento: análise hierárquica do panorama urbano brasileiro no ano 2000. Engenharia Sanitária e Ambiental, v.12, p.90-101, 2007.

 Para uma interessante discussão sobre o conceito de liberdade, direitos humanos e o pleno desenvolvimento das capacidades humanas, com base na teoria de Amartya Sem, e sua relação com o acesso ao saneamento, ver Mulreany, J.P; Calikoglu, S.; Ruiz, S.; Sapsin, J.W. Waterprivatization and public health in Latin America. Rev Panam Salud Publica, v.19, n.1, p.23–32. 2006.

  Para uma análise mais detalhada, verHeller, L. Access to water supply and sanitation in Brazil: historical and current reflections; future perspectives.HumanDevelopmentReport 2006. Occasionalpaper.

 Ver, por exemplo, notícias na imprensa, como emhttp://www.sindcon.com/noticias/governo-sugere-ppp-para-universalizar-saneamento-basico/.

  Para uma argumentação mais completa, ver José Esteban Castro e Léo Heller. A participação privada em saneamento e seus sofismas. Disponível em http://www.jb.com.br/plataforma-politica-social/noticias/2013/02/06/a-participacao-privada-em-saneamento-e-seus-sofismas/.

  Alguns exemplos emblemáticos são dos casos de Buenos Aires, Cochabamba e La Paz-El Alto, Atlanta eParis, cidade que foi berço das maiores multinacionais do mundo no campo do saneamento e onde em 2010 o município decidiu não renovar o contrato dos concessionários privados.

  Para uma descrição dessa trajetória, ver capítulos do livro de Heller e Castro, Política pública e gestão de serviços de saneamento (Editora UFMG, Editora Fiocruz, 2013).

 VerProyect, L.David Harvey, Jame O'Connor and Engels' "ConditionsoftheWorkingClass in England". Disponível em http://www.columbia.edu/~lnp3/mydocs/ecology/harvey_oconnor.htm.

  Ver Gandy, M.  Rethinking urban metabolism: Water, space and the modern city. City, v.8, n.3, p.363-379, 2004.

SANEAMENTO RURAL NO BRASIL

 

Falar de saneamento rural no Brasil passa necessariamente pela história da fundação de serviços especiais de saúde pública - FSESP, que, infelizmente, teve sua trajetória interrompida em 1990 no governo Collor de Melo/Itamar Franco, fundindo a fsesp com a então SUCAM, formando a atual FUNASA, que só conseguiu, e até hoje mantém, não ser nenhuma nem outra e nem uma terceira instituição, fadada ao insucesso, corrupção e desnorteamento institucional.

Entretanto, isto não tira o brilho e a importância decisiva da FSESP para o saneamento rural no país. A única instituição que de fato cuidou do saneamento rural, pensou alternativas tecnológicas para a área rural, e produziu uma série de documentos, técnicas e tecnologias até hoje únicas, que estão condensadas no manual de saneamento do órgão.

E ao falar da FSESP, no mínimo temos que render homenagem aos seus "desbravadores" na pessoa de Rodolfo Costa e Silva, Olavo Roeder, Fernando Mourão, Fernando Sperling e as equipes que eles formaram.

Também não pode ser omitido o trabalho da secretaria de estado da Saúde na década de 80, sob a coordenação do Carlos Augusto Morais, que implantou o PIASS, Gorutuba, MGI, MGII, com recursos do BID e BIRD. Valorosa equipe, jovem, mas que colocou a opção pelo saneamento rural como uma dívida social e deixou como saldo mais de 200 sistemas simplificados de abastecimento de água nas Forquilha do espinho, cacete armado (hoje Natalândia), lagoa dos patos, são joão do bonito, japonvar, vila nova dos poções e vilas/distritos/arraiais desse norte, noroeste, nordeste de Minas.

Vale também ressaltar que o PNSR, e o piloto PPNSR, não foi exitoso porque ignorou essas experiências, porque foi assumido pela companhia estadual, copasa, que não tinha e não tem know how para fazer coisas que escapam ao tradicional e ao "viável" economicamente. Ainda assim há que se registrar nessa experiência uma homenagem ao Prof. Ysnard Machado Eannes e à emater com suas extensionistas rurais, à frente Vanderlina. Se algo de bom restou daquela experiência foi que não se faz saneamento rural de maneira convencional, não se coloca empreiteiras e engenheiros/técnicos sem sensibilidade social para essa tarefa, não é mais uma obra de engenharia e pronto.

Apesar de tudo, como bem mostra o estudo, há ainda só de Mineiros e Mineiras, 2,5 milhões desassistidos por qualquer serviço público em saneamento.

Nossa dívida social continua!

A Reciclagem no Brasil: imagine seu filho nessa situação

Publicado por Heliana Kátia Tavares Campos em Lixo e Saneamento

Banheiros horrendos, imundos, mal cheirosos. Chuveiros transformados em depósito de carcaça de refrigeradores, vasos sanitários quebrados. Portas? Como? Armários? Tá de brincadeira. O que é isso? Essa imagem não é ficcional. Quem dera se fosse. Ela pode ser encontrada perto de você, na grande maioria das instalações de recuperação de resíduos operada por milhares de catadores. É só andar por aí, pelas ruas e becos das cidades.  Procurando pelos ferros velhos, pelos chamados galpões de triagem, pelas centrais de reciclagem verá, e sem a necessidade de uma percepção aguda, de ter olhos de lince nem faro de cão, a vida selvagem dedicada à proteção do ambiente no Brasil. Vida selvagem no seu mais cruel significado. Selvagem no Descuido, no Desmazelo, no Desrespeito. São 3 Ds para viabilizar o 3º dos 3 Rs da Redução, da Reutilização e da Reciclagem.

A fotografia que segundo Drummond é a grande serva da Natureza, pode não conseguir captar a tão dura realidade encontrada nestas instalações, que não resistiriam a uma vistoria da vigilância sanitária e nem tampouco do Ministério Público. O que dizer da do corpo de bombeiros…..  Há que descobri-las, percorrê-las silenciosamente, com a mente e o coração abertos. Há que respirá-las. Os ambientalistas, os projetistas, os (ir) responsáveis pela “limpeza urbana”, pelas políticas sócias e de geração de trabalho, emprego e renda, os que se importam com o ambiente natural e com o ser humano poderiam dedicar um minutinho de sua existência a contemplar essa importante porção do “ciclo nada virtuoso” da reciclagem no Brasil.

A visão com olfato dará vida à fotografia contribuindo sociologicamente para o registro e a análise sobre as condições de trabalho do profissional catador de materiais recicláveis. A definição da profissão pelo Código Brasileiro de Ocupação registra fielmente a sua não condição, sua excrescência. Senão vejamos: “O trabalho é exercido por profissionais que se organizam de forma autônoma ou em cooperativas. Trabalham para venda de materiais a empresas ou cooperativas de reciclagem. O trabalho é exercido a céu aberto, em horários variados. O trabalhador é exposto a variações climáticas, a riscos de acidente na manipulação do material, a acidentes de trânsito e, muitas vezes, à violência urbana. Nas cooperativas surgem especializações do trabalho que tendem a aumentar o número de postos, como os de selecionador, triador, enfardador de sucatas e operador de prensa”. Como diria o Gabeira “O que é isso companheiro?”.

Os trabalhadores que realizam o extraordinário trabalho de garimpar, de transportar, triar, compactar, enfardar e devolver ao processo industrial a matéria que foi retirada da natureza para reciclagem merecem mais respeito. O seu reconhecimento como profissional ainda está no discurso e muito, mas muito mesmo, distante de seu cotidiano. A retirada financeira pelos trabalhos realizados não compensam tamanho sacrifício. Na Capital do País que possui um dos mais altos custos de vida a retirada de um catador ou de uma catadora pode variar de R$200,00 a R$500,00 a quinzena. Para um País que vem demonstrando capacidade de driblar a crise financeira mundial com investimentos e criação massiva de empregos esses números envergonham. Se você é como São Tomé e precisa ver para crer, dê uma caminhada pelas ruas da periferia de sua cidade. Eles estão por aí, por todo o Brasil. Quem sabe com maior publicidade se entenda esta situação de outro modo. Os catadores merecem e carecem de uma solução que venha, mas que não seja tão de mansinho que não atenda as necessidades da atual geração que há tanto tempo vem lutando pelo seu direito de exercer a profissão dando mostras de organização e significado para o nosso futuro.

Brasília, Eu te Amo

publicado por Heliana Kátia Tavares Campos

Identifica-se em Brasília pelo menos duas grandes tristezas. Uma visível tem sido objeto de noticiário local e nacional e outra que grita no coração da região pobre da cidade onde está localizado o lixão. Esta sem nenhum holofote …

As festividades do natal, do ano novo e do carnaval não foram suficientes para tirar do noticiário uma infeliz realidade que se vive na Capital do País. O governador eleito está preso, o vice-governador e o presidente da Câmara renunciaram e o substituto deste último é quem governará. Qual será o desfecho desta história que entristece aos que aqui vivem?

 

A outra grande tristeza acontece bem perto do centro do poder, mas bem longe dos noticiários. Orgulhosos dos espaços verdes bem cuidados e dos jardins floridos – pelo menos no Plano Piloto – todo cidadão brasiliense deveria fazer uma visita ao local onde o lixo que aqui se gera é depositado.

 

Há 40 anos encravado em uma área bem perto do poder de Brasília — a apenas 15 km do Congresso Nacional —, reina, imponente, o Lixão da Vila Estrutural. Chamado tecnicamente de Aterro Controlado, ele representa, na verdade, uma ameaça à saúde ambiental do Distrito Federal, o que é admitido por autoridades. “A gestão do lixo é um dos problemas mais graves do país. Aqui, a situação ainda não foi resolvida adequadamente. O Lixão da Estrutural fica ao lado do Parque Nacional de Brasília, de onde vem a água que abastece mais de 500 mil pessoas. Isso obviamente traz problemas”, diz o presidente do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), Gustavo Souto Maior.

 

No lixão da Estrutural, caminho entre o Plano Piloto e a Ceilândia, você terá a oportunidade de ver catadores de materiais recicláveis disputando espaço com os tratores e avançarem sobre os caminhões para conseguirem o que nós habitantes da Cidade Cinqüentenária desperdiçamos. Sem apoio, sem estrutura, sem segurança brigam pelos restos que geramos. Nós cidadãos brasilienses somos os campeões brasileiros do desperdício, cada habitante gerando em média 2,4 kg por dia.

 

 

O nosso consumo exagerado, a nossa acomodação em jogar o lixo de qualquer forma em qualquer lugar, a nossa falta de educação ambiental, nosso desleixo, nossa falta de sensatez de um lado e a falta de uma gestão adequada do lixo de outro nos faz refletir sobre a necessidade de criar ou recriar valores comportamentais que possam alterar este quadro.

 

Se como diz, na música, Elis Regina, “não confio em ninguém com mais de 30 anos” deveríamos apostar pelo menos nas crianças. Fazer com que TODAS façam este roteiro surrealista. Não dá para conhecer a Disney sem conhecer antes o lixão da Estrutural. Experimentemos levar um grupo de crianças e fazer uma avaliação do porque de tudo isso. Experimentemos conseguir das crianças, já que nós adultos não conseguimos resolver a situação, o que deve ser feito. Como? Quando? De que forma?

 

A deterioração do poder aqui instituído é tão cruel quanto o descaso com que manuseamos o lixo que geramos e com que tratamos os milhares de trabalhadores informais que lidam com os nossos restos.

 

Uma sugestão aos juízes que estipularão as penalidades aos nossos ex-governantes e ex-presidente da Câmara Distrital é que os mesmos devolvam tudo que roubaram e façam um trabalho comunitário junto aos catadores no lixão da Estrutural. Assim talvez possam usar sua sabedoria para encerrar esta atividade insalubre, instituir a coleta seletiva do lixo e construir galpões adequados ao seu processamento. Oferecendo um espaço adequado salubre, com instalações sanitárias, refeitórios e um pagamento justo por este trabalho tão extraordinário de juntar e aproveitar sobras.

 

Seria talvez uma oportunidade para que possam perceber quem perdeu mais com a gestão inescrupulosa que fizeram.

 

Pode-se imaginar que este não seja o ambiente que esses ex-governantes de Brasília costumavam freqüentar, mas pode vir a ser uma excelente forma de fazer com que se dê visibilidade a uma situação degradante do ponto de vista humano, da saúde e dos valores. Talvez seja útil para o caso de se interessarem em redimir de seus erros. Há que se encontrar uma solução para estes dois males. Experimente se colocar nessa situação: você sem salário, sem rendimento, se submetendo a este garimpo nos monturos de lixo para ter o que comer. Experimente pensar em cada resíduo que você gera, ou que deixa de separar, e em cada catador como se fosse um ente querido, em cada ato descompromissado na geração de mais e mais lixo. Pense no que nos move como cidadãos. Se você leitor ou leitora tiver uma idéia melhor para dar visibilidade a esse horror, por favor, se manifeste. É para se indignar ver os poderosos e abastados roubando e os catadores tentando juntar os restos para sobreviverem. Ou será o fim do mundo, e cidadãos e catadores não representam uma mesma e única espécie?

 

Apesar de todo esse quadro triste a ofuscar as comemorações do cinquentenário, tenho fé e esperança para dizer: Brasília, eu te amo!

 

 

 

Rios

daMemóriaColetiva

 

 

Texto e Diagramação - Hermano Chiodi Freitas - Divulgação via e-mail e redes sociais

 

A desvalorização que o brasileiro faz de sua própria memória não é novidade para ninguém. Mas se não tocarmos neste assunto de tempos em tempos, corremos o risco de sermos cúmplices desta amnésia intencional.

São várias as modalidades de enterro da memória coletiva, existem aqueles mais discursados pelos políticos e veículos de comunicação como, por exemplo, a nuvem que

paira sobre os arquivos da ditadura militar. Mas existem também formas mais singelas e tão eficazes quanto de fazer com que uma sociedade, uma cidade inteira, esqueça suas origens e as coisas certas ou erradas cometidas por aqueles que viveram e agiram antes de nós.

Uma delas é a completa aniquilação de nossa memória material e patrimonial. Os que são um pouco mais informados sobre o tema pensarão logo em estátuas, monumentos, obeliscos e coisa e tal. Mas não é só isso. Pode ser uma passarela que servia como

referência para toda a população, que foi comemorada quando instalada e comemorado

quando foi retirada. Pode ser qualquer coisa, e pode ser também um rio.

O rio Ferrugem, na cidade industrial, é berço da expansão de Contagem. No seu leito foram instaladas algumas das principais empresas da cidade, e também os funcionários destas empresas.

Em nome do progresso, esta história está sendo esquecida, eliminada. Os moradores - pobres na maioria - que ainda sobrevivem incomodando entre empresas gigantes, o anel rodoviário, a Avenida Amazonas e o metrô estão sendo agora ameaçados de despejo.

A ocupação do local se deu há mais de cinquenta anos. A maioria dos moradores não tem seus imóveis regularizados. São filhos ou netos que continuaram nos lotes dos pais ou avós e dali herdaram uma história e um vínculo com o lugar. Mas sem registro no cartório não existe um dono, e eles agora estão sendo postos na rua.

A justificativa, segundo foram informados, é a construção de uma bacia para contenção de enchentes. Uma bacia que deve ser construída porque houve um erro na canalização do rio, hoje pejorativamente chamado de córrego. Para realizar esta intervenção há duas alternativas: saem os poucos moradores que resistem no local, ou empresas terão que ceder parte de suas áreas. A resposta é óbvia, saem os moradores. Não se revoltem com esta situação. Tudo passa. Especialmente no Brasil. Logo o rio será coberto, será construída uma avenida e todos ficarão satisfeitos com as modernidades. Só a história e as gerações futuras é que sofrerão. Não vão saber dos nossos erros e, dentre em breve, outro rio será coberto. As memórias do Córrego ferrugem, as vidas que por ali passaram, as vidas que o rio levou, as felicidades e tristezas que ele trouxe em suas águas, em breve serão passado.

E não são as únicas a terem este destino. O Ribeirão Arrudas, que tanto deu para Belo

Horizonte, que por tantas vezes emprestou suas águas para o desenvolvimento da cidade. Que sacrificou sua flora e fauna para que a cidade pudesse crescer, hoje está sendo tampado sem piedade e a administração daquele município não tem vergonha de comemorar este crime. Se fossemos adeptos da cultura oriental ou de qualquer outra cultura que compreende melhor a relação entre homens e natureza, faríamos um minuto de silêncio a cada trecho tampado; ficaríamos de joelhos pedindo perdão ao rio, agradecendo por tudo que ele nos deu e clamando pela compreensão divina que nos permite de tão boa vontade piorar tanto a obra feita por ele.

Mas não somos assim. Ficamos contentes quando mostramos o quanto somos capazes de destruir, de modificar. Não respeitamos nada – nem nossa própria história. E ainda temos a cara-de-pau de pedir aos jovens que respeitem a cidade em que vivemos. Amanhã está tudo esquecido. Cometeremos os mesmos erros e continuaremos a não entender por que, afinal por que tudo sempre termina assim? A resposta é simples: sem passado não há aprendizado; há apenas mais um recomeço. Faremos sempre as mesmas tentativas, e continuaremos errando. Quem sabe um dia, por sorte, nós conseguiremos acertar.